segunda-feira, 25 de julho de 2022

Para entender e questionar Itatiaia





 

PARA ENTENDER E QUESTIONAR ITATIAIA

Uma visão geral de aspectos da formação cultural da cidade segundo o professor Rafael Fioratto

 

Esta publicação tem como objetivo registrar uma visão pessoal do acadêmico sobre sua cidade e levantar possíveis pontos de pesquisa que podem ser explicados e aprofundados por acadêmicos e historiadores.

 

Itatiaia no seu 33° aniversário de Emancipação Político-Administrativa

 

PARA ENTENDER E QUESTIONAR ITATIAIA

 

Itatiaia se emancipa "logo após" o retorno da democracia no Brasil. É justamente no ano de 1989 que as eleições diretas ocorrem e o brasileiro volta a escolher seus presidentes, governadores, senadores... e acredito que o movimento emancipacionista tenha ganhado força e se alavancado, inspirado e talvez creditado por este movimento nacional.

Em Itatiaia, sempre existiu a vontade forte por parte de algumas pessoas ligadas à política (por várias vezes o distrito elegeu vereadores enquanto pertencia à Resende e era um reduto eleitoral importante na decisão de quem ganharia para prefeito.)

Mas o grupo emancipacionista não tinha somente políticos no sentido eleitoral ou partidário. Este grupo era heterogêneo e dele participavam pessoas de diferentes áreas de atuação, inclusive o padre José Wyrwinski por exemplo, colaborava e cedia o salão paroquial para encontros.

O que as pessoas queriam era uma representatividade, uma identidade "Itatiaia", pois Resende tinha outros distritos na época como Porto Real, Quatis, Engenheiro Passos... e Itatiaia olhava para si e se via somente como mais um dos distritos, mas sentia que poderia e deveria se emancipar para ter suas decisões tomadas enquanto cidade. Acredito que a presença do turismo na localidade de Penedo tenha dado força extra no processo emancipacionista, mas numa visão geral, no momento da emancipação grande parcela da população sentia à vontade de ver Itatiaia emancipada e que isso traria benefícios que a posição de distrito não contemplaria.

Não há dúvida de que o personagem mais emblemático da emancipação foi o Sr. Nilson Neves, que ia ao Rio conversar com autoridades políticas, que acabou sendo a figura que se destacou quando Itatiaia conquistou o direito a um plebiscito e posteriormente quando a emancipação foi aprovada pela maioria da população.

O primeiro movimento eleitoral foi marcado por forte influência de políticos resendenses que adotaram candidatos, fizeram campanha, espalharam “fake news” (sim, não tinha esse nome na época, mas já existia no processo eleitoral a prática das difamações e boatos.) Inclusive um episódio que Itatiaia protagonizou foi quando um avião jogou panfletos pela cidade, uma “manobra” bastante revolucionária e um tanto demasiada.

A fundação de Itatiaia data oficialmente no dia 01 de junho de 1989 e o primeiro prefeito é o Sr. Luiz Carlos Aquino, conhecido pelo apelido de picolé. Venceu o picolé! E como a cidade já tinha uma tendência a ser algo como “Saramandaia”, onde tudo podia acontecer, centenas de picolés são distribuídos na rua central para todos os presentes. Uma “picolezada” geral marca o início da vida política da cidade. Em seu primeiro governo, que durou somente dois anos, Aquino obtém grandes avanços e inicia um projeto que correspondia aos anseios dos itatiaienses. Revitaliza a praça da matriz, inicia construções, começa a reformular a rede de esgoto, asfaltamento... Coloca até um carrinho com vassouras giratórias que passavam limpando as ruas. Lixeiras padronizadas são espalhadas pela cidade, pontos de ônibus são padronizados e a cidade começa a se despontar como uma “Princesa”. Não sei se princesa do vale, da montanha ou da região, mas mesmo no período democrático ainda se falava na corte, a princesa.

Depois, os governos que sucederam tiveram, cada um, suas características positivas e também as negativas, pois ninguém acerta em tudo, mas essas avaliações vou fazer quando escrever um livro sobre minha visão no processo de formação de uma cidade.

Passamos então, a falar do aspecto mais importante que permeia a vida em uma cidade, já que identidade cultural está diretamente ligada ao estilo e qualidade de vida que a população vive e desenvolve. E parafraseando meu colega historiador Eduardo Bueno “Povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la”. Ou também “Povo que não sabe da onde veio, não sabe para onde vai”.  E neste sentido, este panorama geral sobre como nasce e como se desenvolve a vida em Itatiaia é importante ser conhecido e lembrado para que o futuro seja construído.

E cultura é elemento vivo, orgânico e abstrato. Sendo o conjunto de saberes, fazeres e características de um grupo de pessoas, na cidade temos essa multiplicidade que acredito ser a tendência global..., mas que precisa de atenção para que não seja também a tendência genérica. Onde tudo é recebido e consumido de fora. É importante fazer, criar e promover na coletividade, a identidade. Tudo tão batido e repetitivo, como os textos de projetos que precisam ser inscritos em editais, mas é verdade. É necessário.

A cultura em Itatiaia pode ser lida por diversos prismas e principalmente devemos levar em conta as localidades. Maringá e Maromba têm uma cultura bem diferente da área central se formos comparar. Somos todos moradores do território de Itatiaia, porém o ambiente, o grupo que ali chegou e as necessidades são diferentes. É lógico que os resultados culturais também serão diferentes. Vejam bem, nem melhores, nem piores, apenas diferentes.

Já a vida cultural de Penedo se inicia com uma das histórias mais fantásticas sobre a formação de uma colônia europeia no novo mundo. Se o Brasil é pioneiro em receber uma corte inteira em 1808, Penedo é pioneiro por receber em 1929 um primeiro grupo de finlandeses que veio em busca de uma vida mais natural e ensolarada nos trópicos. Não vieram fugidos da guerra, como alguns pensam. Penedo é o resultado de um sonho de viver nos trópicos. Toivo Uuskallio foi seguido por famílias finlandesas que vieram para o Brasil em busca do verde, da fauna, da flora e de temperaturas mais quentes. Com eles chegam à sauna, única palavra finlandesa existente no dicionário português.

A presença da cultura finlandesa, somada ao ambiente tropical brasileiro que promove uma cultura muito peculiar, a cultura ‘penedense’. Pois, ingredientes culinários são substituídos nas receitas tradicionais, novas possibilidades são criadas a partir do conhecimento trazido da Finlândia, as datas se tornam opostas no calendário solar, pois se em maio eles comemoravam a chegada da primavera no hemisfério norte, aqui no Brasil a festa passa a acontecer no início do outono. Todas essas características tropicais, somadas a pluralidade do povo brasileiro aos poucos transforma Penedo num lugar único no Brasil.

A história da formação e desenvolvimento da colônia, seus altos e baixos é muito rica e não cabe aqui me aprofundar, mas existem livros que contam de maneira genial toda a saga de Penedo. Mas vale ressaltar que nos anos 80e 90 o lugar já era um destino turístico bastante procurado por pessoas que buscavam tranquilidade em meio ao ambiente natural da primeira e única colônia finlandesa no Brasil.

No final dos anos 90, precisamente em 1999, um marco no turismo de Penedo inicia uma nova etapa: a inauguração da “Pequena Finlândia”, um shopping a céu aberto que reproduzia uma vila de casas finlandesas e abrigava a casa de verão do Papai Noel. A atração trouxe novos ares para o turismo e maior quantidade de visitantes. Com mais visitantes, mais desenvolvimento da gastronomia, da hotelaria e por consequência, mas demanda de energia, água, infraestrutura e tudo aquilo que todos sabem que acontece quando há o crescimento desordenado. Os mais pobres começam a morar nos morros que margeiam a colônia. No meio da Mata Atlântica aos poucos surgem casas, ruas, vilas... E com isso o contraste social, que em Penedo não é visto claramente como acontece na cidade do Rio de Janeiro por exemplo.

Em Penedo você não vê a pobreza se você não for até ela, pois está atrás dos morros. Existe hoje uma corrente que resiste em manter a característica de colônia finlandesa e isso se encontra muito centralizado no Clube Finlândia que também mantém um museu com objetos, vestuários típicos vindos da Finlândia, mas no meu entendimento o maior tesouro que o museu preserva são os objetos e obras de arte feitos pelos finlandeses já na colônia, pois são esses artefatos que dão visualidade a esta cultura desenvolvida pelos europeus aqui no nosso Penedo tropical.

A área central de Itatiaia, (que podemos chamar de núcleo urbano?) é também interessante, mas muito complicada de se fazer uma análise concreta. Pois o início do povoamento se dá com a chegada de desbravadores que vão iniciar algumas plantações, logo erguem-se fazendas e Itatiaia se coloca dentro do contexto da produção agrícola e da pecuária. Uma vila se forma em torno da capela central, como em muitos casos de cidades interioranas que aos poucos, acontecimentos pontuais vão dando corpo ao que viria ser a vila e posteriormente a cidade. Inicialmente conhecida como Vila de Campo Belo.

O primeiro acontecimento que vai modificar culturalmente a vida em Itatiaia é a construção da hidrelétrica do funil, que tem suas obras iniciadas em 1961 e suas operações começam em 1969. Com a construção de repente a população cresce de uma maneira expressiva, vilas de operários são erguidas, chegam pessoas de diversos lugares, logo de diferentes culturas, se instalam e vão fazer a localidade ter mais movimento. Depois, ou paralelamente vem o desenvolvimento da hotelaria como forte atrativo e culmina essa expansão populacional com a própria emancipação. 

Com a eleição municipal para prefeito e vereadores para ocupar o poder em ITATIAIA, a corrida eleitoral começa e precisa de eleitores. É neste momento que as áreas ao redor da cidade mais avançam e até novos bairros surgem do dia para a noite.

E a cultura? A cultura fica miscigenada e vai perdendo a identidade de lugar de interior. Um exemplo claro é a festa do padroeiro, que foi a grande festividade de Itatiaia e perdeu lugar para o 1° de junho, aniversário de emancipação... aos poucos, o pouco que se tinha como cultura local realizada coletivamente foi dando lugar para festas de bairro (Que eu vou escrever sobre futuramente e vocês vão rir bastante), o Carnaval é  incentivado e torna-se se não o maior, talvez o mais falado da região, mas vai ganhando ares e formato de carnaval baiano, nada contra a Bahia e seu tradicional carnaval, mas não levar em conta que somos uma cidade pequena de interior acabou fazendo com que o carnaval perdesse suas características e acaba sendo interrompido tragicamente com o assassinato de um jovem de 18 anos em meio a festa de 2012.

E sobre cultura no sentido da ARTE e do fazer criativo pouco se vê de incentivo real nos primeiros anos, em determinado momento o antigo cinema do exército é reformado e entregue como teatro municipal, em alguns anos por descaso político o prédio volta a ser abandonado e nada de perene se estabelece para oferecer não só a vivência cultural, mas também a qualidade de vida e a convivência saudável entre os moradores.

Para falar de cultura e desenvolvimento humano precisamos falar também do maior atrativo que a cidade abriga, o Parque Nacional do Itatiaia, primeira unidade de conservação do país, foi inaugurado em 1937 pelo presidente Getúlio Vargas. Deixei propositalmente para o final a “cereja do bolo”, pois o PNI recebe anualmente milhares de turistas vindos de todos os cantos do Brasil e diferentes países. É um grande atrativo natural que se divide em duas partes de visitação: a parte baixa, onde estão as principais cachoeiras e o centro de visitação com exposições e explicação que vai desde a formação geológica até amostras de insetos, animais, aves e plantas do bioma. O parque é um sucesso, mas curiosamente não impacta turisticamente na área central do município que permanece apática e não consegue enxergar o potencial econômico que passa e não fica. Parte deste desinteresse turístico pela área urbana da cidade se dá ao descaso com a história e o patrimônio arquitetônico. 

A cidade não oferece equipamentos culturais como museus, galerias, festas tradicionais e consequentemente não possui restaurantes, bares e lojas destinadas ao turismo. O que poderia ser uma ferramenta para geração de renda, não é incentivado.

Itatiaia cresceu em números: população, indústria, interesse turístico, arrecadação e em outros aspectos precisa recuperar o tempo omisso.  Patrimônios importantes de memória foram e estão sendo perdidos, as tradições imateriais que podem ser resgatadas não estão sendo pesquisadas. Mas ainda existem possibilidades! Como a sociedade se constrói todos os dias e consequentemente a história de escreve da mesma forma, no cotidiano, é possível e necessário o incentivo à criação da identidade, já que se perdeu ou não se consolidou, sendo um município jovem, ainda estamos dentro do prazo para pesquisar, conhecer, ressignificar e fazer com que boas tradições surjam e se consolidem. Na ausência de símbolos significativos, o povo pode coletivamente criar seus totens. E cabe a uma consciência coletiva, bons gestores e a valorização do conhecimento a tarefa de mudar o rumo da história. Para que no futuro este texto seja o pontapé inicial para uma nova análise que vai comparar o momento atual com todo o avanço alcançado pelos itatiaienses após o despertar de seus papéis dentro de nossa formação cultural.

Um panorama geral da formação e parte da história é esse aí, mas para saber como as coisas de fato foram, aí você vai ter que ler. (Como sempre diz Eduardo Bueno)

 

 

RAFAEL FIORATTO

Presidente da ACIDHIS

 

Para o 33° aniversário de Emancipação Político-Administrativa de Itatiaia

Itatiaia 01 de junho de 2022