PARA ENTENDER E QUESTIONAR ITATIAIA
Uma visão geral de aspectos da formação
cultural da cidade segundo o professor Rafael Fioratto
Esta publicação tem como objetivo registrar uma visão pessoal do acadêmico sobre sua cidade e levantar possíveis pontos de pesquisa que podem ser explicados e aprofundados por acadêmicos e historiadores.
Itatiaia no seu 33° aniversário de Emancipação Político-Administrativa
PARA ENTENDER E QUESTIONAR ITATIAIA
Itatiaia se emancipa
"logo após" o retorno da democracia no Brasil. É justamente no ano de
1989 que as eleições diretas ocorrem e o brasileiro volta a escolher seus
presidentes, governadores, senadores... e acredito que o movimento emancipacionista
tenha ganhado força e se alavancado, inspirado e talvez creditado por este
movimento nacional.
Em Itatiaia, sempre
existiu a vontade forte por parte de algumas pessoas ligadas à política (por
várias vezes o distrito elegeu vereadores enquanto pertencia à Resende e era um
reduto eleitoral importante na decisão de quem ganharia para prefeito.)
Mas o grupo
emancipacionista não tinha somente políticos no sentido eleitoral ou
partidário. Este grupo era heterogêneo e dele participavam pessoas de
diferentes áreas de atuação, inclusive o padre José Wyrwinski por exemplo,
colaborava e cedia o salão paroquial para encontros.
O que as pessoas
queriam era uma representatividade, uma identidade "Itatiaia", pois
Resende tinha outros distritos na época como Porto Real, Quatis, Engenheiro
Passos... e Itatiaia olhava para si e se via somente como mais um dos
distritos, mas sentia que poderia e deveria se emancipar para ter suas decisões
tomadas enquanto cidade. Acredito que a presença do turismo na localidade de
Penedo tenha dado força extra no processo emancipacionista, mas numa visão
geral, no momento da emancipação grande parcela da população sentia à vontade
de ver Itatiaia emancipada e que isso traria benefícios que a posição de
distrito não contemplaria.
Não há dúvida de que o
personagem mais emblemático da emancipação foi o Sr. Nilson Neves, que ia ao
Rio conversar com autoridades políticas, que acabou sendo a figura que se
destacou quando Itatiaia conquistou o direito a um plebiscito e posteriormente
quando a emancipação foi aprovada pela maioria da população.
O primeiro movimento
eleitoral foi marcado por forte influência de políticos resendenses que
adotaram candidatos, fizeram campanha, espalharam “fake news” (sim, não tinha
esse nome na época, mas já existia no processo eleitoral a prática das
difamações e boatos.) Inclusive um episódio que Itatiaia protagonizou foi
quando um avião jogou panfletos pela cidade, uma “manobra” bastante
revolucionária e um tanto demasiada.
A fundação de Itatiaia
data oficialmente no dia 01 de junho de 1989 e o primeiro prefeito é o Sr. Luiz
Carlos Aquino, conhecido pelo apelido de picolé. Venceu o picolé! E como a
cidade já tinha uma tendência a ser algo como “Saramandaia”, onde tudo podia
acontecer, centenas de picolés são distribuídos na rua central para todos os
presentes. Uma “picolezada” geral marca o início da vida política da cidade. Em
seu primeiro governo, que durou somente dois anos, Aquino obtém grandes avanços
e inicia um projeto que correspondia aos anseios dos itatiaienses. Revitaliza a
praça da matriz, inicia construções, começa a reformular a rede de esgoto,
asfaltamento... Coloca até um carrinho com vassouras giratórias que passavam
limpando as ruas. Lixeiras padronizadas são espalhadas pela cidade, pontos de
ônibus são padronizados e a cidade começa a se despontar como uma “Princesa”.
Não sei se princesa do vale, da montanha ou da região, mas mesmo no período
democrático ainda se falava na corte, a princesa.
Depois, os governos que
sucederam tiveram, cada um, suas características positivas e também as
negativas, pois ninguém acerta em tudo, mas essas avaliações vou fazer quando
escrever um livro sobre minha visão no processo de formação de uma cidade.
Passamos então, a falar
do aspecto mais importante que permeia a vida em uma cidade, já que identidade
cultural está diretamente ligada ao estilo e qualidade de vida que a população
vive e desenvolve. E parafraseando meu colega historiador Eduardo Bueno “Povo
que não conhece sua história está condenado a repeti-la”. Ou também “Povo que
não sabe da onde veio, não sabe para onde vai”.
E neste sentido, este panorama geral sobre como nasce e como se
desenvolve a vida em Itatiaia é importante ser conhecido e lembrado para que o
futuro seja construído.
E cultura é elemento
vivo, orgânico e abstrato. Sendo o conjunto de saberes, fazeres e
características de um grupo de pessoas, na cidade temos essa multiplicidade que
acredito ser a tendência global..., mas que precisa de atenção para que não
seja também a tendência genérica. Onde tudo é recebido e consumido de fora. É
importante fazer, criar e promover na coletividade, a identidade. Tudo tão
batido e repetitivo, como os textos de projetos que precisam ser inscritos em
editais, mas é verdade. É necessário.
A cultura em Itatiaia
pode ser lida por diversos prismas e principalmente devemos levar em conta as
localidades. Maringá e Maromba têm uma cultura bem diferente da área central se
formos comparar. Somos todos moradores do território de Itatiaia, porém o
ambiente, o grupo que ali chegou e as necessidades são diferentes. É lógico que
os resultados culturais também serão diferentes. Vejam bem, nem melhores, nem
piores, apenas diferentes.
Já a vida cultural de
Penedo se inicia com uma das histórias mais fantásticas sobre a formação de uma
colônia europeia no novo mundo. Se o Brasil é pioneiro em receber uma corte
inteira em 1808, Penedo é pioneiro por receber em 1929 um primeiro grupo de
finlandeses que veio em busca de uma vida mais natural e ensolarada nos
trópicos. Não vieram fugidos da guerra, como alguns pensam. Penedo é o
resultado de um sonho de viver nos trópicos. Toivo Uuskallio foi seguido por
famílias finlandesas que vieram para o Brasil em busca do verde, da fauna, da
flora e de temperaturas mais quentes. Com eles chegam à sauna, única palavra
finlandesa existente no dicionário português.
A presença da cultura
finlandesa, somada ao ambiente tropical brasileiro que promove uma cultura
muito peculiar, a cultura ‘penedense’. Pois, ingredientes culinários são
substituídos nas receitas tradicionais, novas possibilidades são criadas a
partir do conhecimento trazido da Finlândia, as datas se tornam opostas no
calendário solar, pois se em maio eles comemoravam a chegada da primavera no
hemisfério norte, aqui no Brasil a festa passa a acontecer no início do outono.
Todas essas características tropicais, somadas a pluralidade do povo brasileiro
aos poucos transforma Penedo num lugar único no Brasil.
A história da formação
e desenvolvimento da colônia, seus altos e baixos é muito rica e não cabe aqui
me aprofundar, mas existem livros que contam de maneira genial toda a saga de
Penedo. Mas vale ressaltar que nos anos 80e 90 o lugar já era um destino
turístico bastante procurado por pessoas que buscavam tranquilidade em meio ao
ambiente natural da primeira e única colônia finlandesa no Brasil.
No final dos anos 90,
precisamente em 1999, um marco no turismo de Penedo inicia uma nova etapa: a
inauguração da “Pequena Finlândia”, um shopping a céu aberto que reproduzia uma
vila de casas finlandesas e abrigava a casa de verão do Papai Noel. A atração
trouxe novos ares para o turismo e maior quantidade de visitantes. Com mais
visitantes, mais desenvolvimento da gastronomia, da hotelaria e por consequência,
mas demanda de energia, água, infraestrutura e tudo aquilo que todos sabem que
acontece quando há o crescimento desordenado. Os mais pobres começam a morar
nos morros que margeiam a colônia. No meio da Mata Atlântica aos poucos surgem
casas, ruas, vilas... E com isso o contraste social, que em Penedo não é visto
claramente como acontece na cidade do Rio de Janeiro por exemplo.
Em Penedo você não vê a
pobreza se você não for até ela, pois está atrás dos morros. Existe hoje uma
corrente que resiste em manter a característica de colônia finlandesa e isso se
encontra muito centralizado no Clube Finlândia que também mantém um museu com
objetos, vestuários típicos vindos da Finlândia, mas no meu entendimento o
maior tesouro que o museu preserva são os objetos e obras de arte feitos pelos
finlandeses já na colônia, pois são esses artefatos que dão visualidade a esta
cultura desenvolvida pelos europeus aqui no nosso Penedo tropical.
A área central de
Itatiaia, (que podemos chamar de núcleo urbano?) é também interessante, mas
muito complicada de se fazer uma análise concreta. Pois o início do povoamento
se dá com a chegada de desbravadores que vão iniciar algumas plantações, logo
erguem-se fazendas e Itatiaia se coloca dentro do contexto da produção agrícola
e da pecuária. Uma vila se forma em torno da capela central, como em muitos
casos de cidades interioranas que aos poucos, acontecimentos pontuais vão dando
corpo ao que viria ser a vila e posteriormente a cidade. Inicialmente conhecida
como Vila de Campo Belo.
O primeiro
acontecimento que vai modificar culturalmente a vida em Itatiaia é a construção
da hidrelétrica do funil, que tem suas obras iniciadas em 1961 e suas operações
começam em 1969. Com a construção de repente a população cresce de uma maneira
expressiva, vilas de operários são erguidas, chegam pessoas de diversos
lugares, logo de diferentes culturas, se instalam e vão fazer a localidade ter
mais movimento. Depois, ou paralelamente vem o desenvolvimento da hotelaria
como forte atrativo e culmina essa expansão populacional com a própria
emancipação.
Com a eleição municipal
para prefeito e vereadores para ocupar o poder em ITATIAIA, a corrida eleitoral
começa e precisa de eleitores. É neste momento que as áreas ao redor da cidade
mais avançam e até novos bairros surgem do dia para a noite.
E a cultura? A cultura
fica miscigenada e vai perdendo a identidade de lugar de interior. Um exemplo
claro é a festa do padroeiro, que foi a grande festividade de Itatiaia e perdeu
lugar para o 1° de junho, aniversário de emancipação... aos poucos, o pouco que
se tinha como cultura local realizada coletivamente foi dando lugar para festas
de bairro (Que eu vou escrever sobre futuramente e vocês vão rir bastante), o
Carnaval é incentivado e torna-se se não
o maior, talvez o mais falado da região, mas vai ganhando ares e formato de
carnaval baiano, nada contra a Bahia e seu tradicional carnaval, mas não levar
em conta que somos uma cidade pequena de interior acabou fazendo com que o
carnaval perdesse suas características e acaba sendo interrompido tragicamente
com o assassinato de um jovem de 18 anos em meio a festa de 2012.
E sobre cultura no
sentido da ARTE e do fazer criativo pouco se vê de incentivo real nos primeiros
anos, em determinado momento o antigo cinema do exército é reformado e entregue
como teatro municipal, em alguns anos por descaso político o prédio volta a ser
abandonado e nada de perene se estabelece para oferecer não só a vivência
cultural, mas também a qualidade de vida e a convivência saudável entre os
moradores.
Para falar de cultura e
desenvolvimento humano precisamos falar também do maior atrativo que a cidade
abriga, o Parque Nacional do Itatiaia, primeira unidade de conservação do país,
foi inaugurado em 1937 pelo presidente Getúlio Vargas. Deixei propositalmente
para o final a “cereja do bolo”, pois o PNI recebe anualmente milhares de
turistas vindos de todos os cantos do Brasil e diferentes países. É um grande atrativo
natural que se divide em duas partes de visitação: a parte baixa, onde estão as
principais cachoeiras e o centro de visitação com exposições e explicação que
vai desde a formação geológica até amostras de insetos, animais, aves e plantas
do bioma. O parque é um sucesso, mas curiosamente não impacta turisticamente na
área central do município que permanece apática e não consegue enxergar o
potencial econômico que passa e não fica. Parte deste desinteresse turístico
pela área urbana da cidade se dá ao descaso com a história e o patrimônio
arquitetônico.
A cidade não oferece
equipamentos culturais como museus, galerias, festas tradicionais e
consequentemente não possui restaurantes, bares e lojas destinadas ao turismo.
O que poderia ser uma ferramenta para geração de renda, não é incentivado.
Itatiaia cresceu em
números: população, indústria, interesse turístico, arrecadação e em outros
aspectos precisa recuperar o tempo omisso.
Patrimônios importantes de memória foram e estão sendo perdidos, as
tradições imateriais que podem ser resgatadas não estão sendo pesquisadas. Mas
ainda existem possibilidades! Como a sociedade se constrói todos os dias e
consequentemente a história de escreve da mesma forma, no cotidiano, é possível
e necessário o incentivo à criação da identidade, já que se perdeu ou não se consolidou,
sendo um município jovem, ainda estamos dentro do prazo para pesquisar,
conhecer, ressignificar e fazer com que boas tradições surjam e se consolidem.
Na ausência de símbolos significativos, o povo pode coletivamente criar seus
totens. E cabe a uma consciência coletiva, bons gestores e a valorização do
conhecimento a tarefa de mudar o rumo da história. Para que no futuro este
texto seja o pontapé inicial para uma nova análise que vai comparar o momento
atual com todo o avanço alcançado pelos itatiaienses após o despertar de seus
papéis dentro de nossa formação cultural.
Um panorama geral da
formação e parte da história é esse aí, mas para saber como as coisas de fato
foram, aí você vai ter que ler. (Como sempre diz Eduardo Bueno)
RAFAEL FIORATTO
Presidente
da ACIDHIS
Para
o 33° aniversário de Emancipação Político-Administrativa de Itatiaia
Itatiaia
01 de junho de 2022